Mais zen antes de começar a aula

Fonte: Nova Escola

O sinal soa no pátio. Em meio a gritos e gargalhadas das crianças, as professoras tentam reunir suas turmas. Ao chegar à classe, no entanto, a agitação desaparece gradualmente à medida que as luzes do ambiente diminuem. Os alunos sentam em suas carteiras e fecham os olhos. “Inspirem… expirem”, a professora Fátima Pacheco Quevedo conduz um exercício de respiração por dez minutos. O objetivo é relaxar o corpo e focar a atenção no tempo presente. Essa cena faz parte da rotina diária do CMEB Camilo Alves, em Esteio, região metropolitana de Porto Alegre, desde o início de 2016. Ela exemplifica a prática do mindfulness, ou atenção plena. A iniciativa chegou à escola pelas mãos de Isabel Cristina Souza, psicopedagoga do Centro Municipal de Educação Inclusiva da prefeitura da idade, com a intenção de reduzir o estresse dos professores. Deu tão certo que foi estendida aos alunos. “Não adianta fazer um projeto de meditação sem cuidar do bem-estar dos educadores. Por isso, iniciamos o trabalho com eles”, explica Isabel.

As técnicas de atenção plena desembarcaram nas escolas brasileiras no embalo do sucesso no Reino Unido, na Austrália e nos Estados Unidos. Na terra da rainha, em 2015, um grupo do parlamento, depois de avaliar os potenciais benefícios do mindfulness, requisitou a três escolas de referência que desenvolvessem modelos de ensino para ser replicados na rede. O relatório apontou que, além de melhorar o desempenho dos estudantes, a meditação pode ajudar na construção de competências socioemocionais, como perseverança, resiliência, confiança e colaboração. Meditar melhora o gerenciamento de capacidades cognitivas e emocionais. Por isso, quem consegue manejar seus sentimentos e está aberto a entender o outro se torna mais colaborativo.

“Fico tranquila e relaxada. Parece que é melhor para aprender e fazer as atividades quando a gente medita antes.” LAURA DE ANDRADE CAYE, aluna do 3º ano do CMEB Camilo Alves, em Esteio (RS)

Pensando em aliviar a rotina de estudos estafante do Ensino Médio, a professora Claudiah Rato inseriu exercícios de meditação na Educação Física do Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro. Desde 2012, ela criou a Meditação Laica Educacional – método que faz parte do programa de formação da instituição, aberto a professores de todo país. Roberta Pereira Batista dava aulas para o 4º ano na Escola Municipal Waldick Cunegundes Perreira, em Queimados, região metropolitana do Rio de Janeiro, quando começou a fazer o curso de Claudiah. “A primeira etapa é ficar quieto na frente da turma, com o semblante feliz e receptivo, para que eles percebam o silêncio e se acalmem”, explica Roberta. Para conseguir a atenção da turma, ela precisou de longos 80 minutos. Os alunos fizeram de tudo: teve gritaria, xingamentos, desenhos na lousa e até uma briga. Em vez de perder a paciência, a professora manteve-se impassível. O que aconteceu depois foi surpreendente. “Fui até a porta para fechá-la e consegui ouvir os meus passos. Conversei com os alunos dez minutos e todos estavam concentrados e atentos. Nunca tinha falado por mais de três minutos sem ser interrompida”, lembra. Depois de cinco sessões, os resultados já eram visíveis, a turma estava mais calma e envolvida no aprendizado.

A concentração é um benefício comumente relatado pelos professores, além da redução de casos de indisciplina, o aumento da empatia e a melhora na relação aluno-professor. Estudos também têm mostrado que a prática estimula a plasticidade cerebral. Por causa disso, os neurônios desenvolvem novas conexões e o resultado é o aprimoramento da memória, da atenção e, por consequência, da aprendizagem.

A ciência por trás do mantra

Especialistas da The Royal College of Psychiatrists (Academia Real de Psiquiatria, em tradução livre), da Inglaterra, acompanharam por um semestre 522 jovens (entre 12 e 16 anos) de 12 escolas secundárias que participam do programa Mindfulness in Schools. Os dados mostraram que os alunos expostos à meditação presentaram menos sintomas de depressão e estresse e maior sensação de bem-estar em comparação com jovens sem esse treinamento. Uma revisão de mais de 200 artigos científicos, conduzida por pesquisadores do Canadá e dos Estados Unidos, atestou a eficácia do mindfulness também no controle do estresse e da ansiedade.

Ricardo Monezi, professor do departamento de neurologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que a redução no estresse se dá pela regulação na produção de hormônios como o cortisol, a adrenalina e a noradrenalina. “Eles são responsáveis pelo estresse negativo, que atrapalha no aprendizado.” Meditar ajuda na sincronização das ondas cerebrais. “A criança sai do piloto automático. E o cérebro dela recebe o convite para conhecer o mundo de forma diferente.” Como resultado, características como abstração e criatividade são amplificadas.

Em 2014, o grupo de Neuropsicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) analisou o rendimento de alunos que meditam usando o método criado pela psiquiatra Anmol Arora, fundadora da Mahatma Paz nas Escolas, que oferece kits de meditação gratuitos.

Inspirada na meditação transcendental (leia no quadro abaixo), a técnica consiste em repetir, durante cinco minutos, cinco mantras de paz. Depois de três meses, os alunos do 5º ano de escolas públicas de Gramado e Porto Alegre apresentaram avanço em atividades como planejamento e velocidade na assimilação de conteúdos.

O poder limitado da meditação

Diante de tantos benefícios, você pode estar ansioso para começar o mais rápido possível a meditar com seus alunos. Calma, respire. Os especialistas alertam que a meditação pode agravar quadros de transtornos severos, como a depressão. Já James Reveley, professor da Universidade de Wollongong, na Austrália, entende a meditação nas escolas como uma sutil medicalização do ensino. “Aprender a tornar-se consciente é uma forma de delegar ao jovem a responsabilidade moral de aumentar seu bem-estar emocional”, argumenta. Diferentemente da tradição budista, em que a meditação tem como objetivo a libertação individual, a versão escolar teria a finalidade de controle para maximização e eficiência.

“Os alunos passaram a acreditar no próprio potencial e nós começamos a fazer mais atividades em grupo.” FÁTIMA PACHECO QUEVEDO, professora do CMEB Camilo Alves

Telma Vinha, professora de Psicologia Educacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colunista de NOVA ESCOLA, também faz uma ressalva quanto ao uso no combate à indisciplina indisciplina: “A meditação não pode servir só para acalmar e se tornar um mecanismo de controle”. É preciso reconhecer que a prática não é antídoto para aulas chatas e currículos distantes dos interesses dos jovens. “Para ser efetiva, a meditação deve estar inserida dentro de um contexto amplo, em que se repense a organização das escolas.”

Para Alcione Marques, vice-coordenadora do Cuca Legal, projeto de capacitação para o ensino de competências socioemocionais, a euforia deve ser combatida. “É um recurso interessante, mas, se for apresentado como solução para tudo, não vai funcionar”, pondera. Por isso, antes de começar, questione o objetivo de ensinar os estudantes a meditar e verifique se o problema é de atenção ou de falta de estímulo. Sua escola busca outras formas de lidar com a indisciplina ou usa a meditação apenas para contorná-la? Analisando as respostas, você encontrará o caminho.