A história do Menino Princesa

Mãe norte-americana transforma história do filho que gosta de se vestir de rosa em livro infantil

*Site Crescer

Dyson gosta de correr, subir em árvores e jogar bola. Parece um típico menino de 5 anos. A diferença é que ele faz tudo isso usando um vestido. E nas brincadeiras de conto de fadas, ele sempre quer ser a princesa. À primeira vista é difícil imaginar como um menino assim pode ser feliz em nossa sociedade. Mas a mãe de Dyson, a norte-americana Cheryl Kilodavis, garante que sim. Para compartilhar com o mundo sua luta para que filho seja aceito e amado pelo que é, ela transformou essa história em um livro infantil. Assim nasceu My Princess Boy (ou Meu Menino Princesa, em tradução livre, sem previsão de chegada ao Brasil), lançado nos Estados Unidos no final do ano passado, que retrata a realidade de Dyson Kilodavis, um menino que desde cedo desenvolveu uma preferência por roupas e brinquedos tradicionalmente de menina. “Decidi escrevê-lo inicialmente para explicar a singularidade do meu filho aos seus professores e colegas de escola”, conta Cheryl Kilodavis. “O livro ganhou tanto destaque que deixou de ser uma mensagem só para eles e se transformou num movimento de aceitação para toda criança que alguma vez se sentiu rejeitada ou não compreendida por ser diferente”.

Tudo começou quando Dyson tinha apenas 2 anos. Um dia, ao chegar à creche para buscá-lo, Cheryl o encontrou vestido de princesa. A cena se repetiu nos dias seguintes, e o que muitos chamavam de “apenas uma fase” acabou nunca passando. “Tentamos seguir o conselho dos amigos: redirecionar”, conta Cheryl. Nada parecia funcionar até que seu filho mais velho, de então 5 anos, se manifestou: “Por que você não o deixa ser feliz?”. Foi então que surgiu a idéia de transformar em livro as anotações do seu diário. My Princess Boy foi um sucesso tão grande nos Estados Unidos que depois de apenas alguns meses de venda a editora, que não divulga o número exato das vendas, já agendou uma segunda tiragem. Segundo a autora, 98% dos muitos comentários recebidos de leitores têm sido positivos. E para ela, até o pequeno número de comentários negativos acaba também contribuindo para um diálogo construtivo sobre o problema.

My Princess Boy será apresentado na Feira do Livro Infantil de Bolonha, o maior evento internacional na área de livros e multimídia infantil, que acontece na cidade italiana na última semana de março. Segundo a editora responsável pelo livro nos Estados Unidos, há grande probabilidade de que os direitos de publicação sejam ali vendidos a editoras de outros países, fazendo com que o livro chegue a pais e crianças de todo o mundo.

Veja entrevista publicada no site da Revista Crescer com a autora!

Segundo especialistas, grande parte dos meninos nessa idade passa por uma fase de interesse por roupas e brinquedos tradicionalmente voltados para meninas. O que a fez pensar que o caso de Dyson era diferente?

Cheryl Kilodavis: Dyson tem demonstrado interesse por coisas bonitas e por roupas e brinquedos tradicionalmente de menina desde os 2 anos de idade. Agora com 5, Dyson continua a ser um menino feliz e saudável, que gosta de cor-de-rosa e usa vestidos. Foi ele quem criou a expressão “menino-princesa”. Pode ser que ele esteja apenas passando por uma longa fase de interesse por brinquedos e roupas de menina, mas o ponto comum que eu observo é sua criatividade e sua paixão por tudo o que é brilhante e bonito.

Como você ponderou as possíveis consequências que a publicação do livro poderia ter na vida da sua família e, sobretudo, na de Dyson?

C.K.: A decisão de publicar My Princess Boy não foi fácil. Na verdade, discutimos essa questão em família por um ano. Consultamos nosso pediatra e visitamos psicólogos e psiquiatras para entender o que poderia estar acontecendo. Os médicos nos disseram que Dyson é um menino saudável que, por acaso, gosta de cor-de-rosa. Eles nos aconselharam a não encorajar demais e nem reprimir demais esse comportamento: apenas aceitá-lo. Então fomos procurar um livro sobre o assunto. Não encontramos nenhum. Depois de muito tempo dizendo a professores, monitores e pais dos seus amiguinhos que eu queria que meu filho fosse apoiado em sua preferência por coisas tradicionalmente de menina (escolha do cor-de-rosa ou desejo de ser a princesa e não o cavaleiro da história), decidi transformar o meu diário em um pequeno livro. Imprimi um protótipo em uma gráfica local e passei a usá-lo como ferramenta para explicar como a exclusão machuca e que mesmo um nível básico de aceitação pode mudar vidas.

Alguma vez você se arrependeu de sua decisão?

C.K.: Não temos nenhum arrependimento até o momento. Como diz meu marido: “Não há como perder”. Se apoiamos Dyson hoje e mais tarde ele muda de ideia e para de se vestir como menina, ele pode olhar para o passado e dizer: “Não acredito que eu fiz isso um dia, mas que bom que meus pais e meu irmão me apoiaram e sempre me amaram”. Ou, se ele continuar a ser como é, poderá dizer: “Que bom que meus pais e meu irmão me apoiaram e me amaram desde pequeno, quando eu já gostava de me vestir como menina”. A questão é a felicidade de uma criança, e se essa ferramenta funcionou para mim e para a minha família, eu achei que poderia funcionar para outros também.

Como Dyson encara a atenção que vocês têm recebido desde a publicação do livro?

C.K.: Dyson é um menino desinibido e seguro. Ele fala do livro para todo mundo e gosta da atenção que recebe. No entanto, meu marido e eu tentamos contrabalançar a atenção da imprensa, mantendo Dyson e seu irmão focados em suas experiências diárias. Dyson é como qualquer criança e sua vida social é como a de qualquer menino de 5 anos. Seus amigos o aceitam como ele é, com ou sem um vestido.

Como a escola e os pais dos colegas de Dyson encararam sua iniciativa em publicar o livro?

C.K.: A professora de Dyson foi fundamental no apoio que tanto ele quanto o livro receberam da escola. Esse apoio começou quando compartilhei com ela o protótipo do livro. Ela imediatamente disse que precisaria compartilhá-lo também com a classe, para que a aceitação ocorresse também entre as crianças. Os alunos falaram sobre o livro com seus pais, os quais começaram a pedir uma cópia. Logo os amigos dos amigos também passaram a pedir uma cópia, por conhecerem alguém que também estava vivendo essa experiência.

Qual o seu conselho para pais que têm em casa um menino-princesa? E o que você diz para os pais que condenam sua iniciativa?

C.K.: Cada criança é diferente. Cada situação é diferente. O que eu posso recomendar é que cada família procure se informar sobre sua situação específica. Nossa jornada começou com meu marido e eu discutindo abertamente nossas ideias e sentimentos sobre esse desafio, pesquisando sobre o assunto, buscando nos aliar a professores, administradores, médicos, familiares, amigos, e qualquer outra pessoa que passasse algum tempo com Dyson. Como diz um provérbio africano: “É preciso uma aldeia inteira para se educar uma criança”.

Nós sabíamos que haveria reações negativas. Mas precisávamos que nosso filho fosse aceito além das fronteiras de nossa família. Precisávamos que ele fosse feliz fora de casa, tanto quanto o era dentro dela.

Como você vê o seu futuro, o da sua família e o do debate iniciado por My Princess Boy, agora que o livro alcançou fama internacional?

C.K.: A atenção e o apoio internacional têm sido extremamente positivos. Estou surpresa com a quantidade de meninos-princesa, pessoas que conhecem um menino-princesa, e pais que têm ou tiveram um menino-princesa. É maravilhoso saber que não estamos sós. Isso prova que, embora estejamos separados pela distância, estamos conectados por um objetivo comum de apoiar nossas crianças como são. Dedico-me a valorizar o tempo que tenho para guiar meus filhos para que sejam o melhor que possam ser. Acredito que o futuro é promissor para todas as nossas crianças se nós, adultos, pudermos continuar a crescer e aprender como apoiá-los e encorajar suas escolhas para uma vida feliz. My Princess Boy foi criado para iniciar e dar continuidade a uma discussão sobre amizade incondicional, e ensina crianças – e adultos – como aceitar e apoiar as pessoas como elas são.

My Princess Boy, lançado em 2010, da norte-americana Cheryl Kilodavis, conta a história de um menino saudável e feliz que gosta de se vestir de cor de rosa e de outras brincadeiras tradicionalmente de meninas. O texto é baseado na vida do filho da autora