Quando os adultos leem para crianças

Literatura infanto-adultiva

Experiências de quando os adultos leem livros para crianças

Gabriel Perissé*

literatura

Deveria ser obrigatório que todo adulto lesse literatura infantil. Seria uma forma de lembrar nossa condição fundamental de criaturas que preferem brincar a brigar, sorrir a chorar, que festejam as histórias ao invés de estragar as festas, que gostam de fantasiar ao invés de mentir.

Mas para que nós, adultos, não nos sintamos ofendidos com esta lição de casa, criemos um novo gênero: a literatura infanto-adultiva. Os livros são os mesmos, mas podemos afirmar que serão especialmente significativos para maiores de trinta anos!

Mania de explicar
Existem títulos brasileiros que podemos incluir nesta nova categoria, como o Mania de explicação, de Adriana Falcão (Editora Moderna, 2001).

A menina da história tem uma mania tipicamente adultiva. Ela gosta de inventar explicação para tudo. E que seja sempre uma explicação simples e bonita. Todo adulto que se preza pensa que tem explicação para tudo. Que sabe explicar até o inexplicável.

No entanto, os adultos explicadores não gostam de uma menina que explica tudo. E começam a censurá-la. Alguns dizem que a menina é uma filósofa precoce. Na explicação da menina, quem faz filosofia é a pessoa que, em vez de ver televisão, fica pensando pensamentos. Por pensar demais e querer tudo explicar a todos, a menina irrita todo mundo. E, desprezada, sente na pele a solidão de quem pensa além da conta.

Na solidão do pensamento, a menina se entrega à mania de explicar e definir. Define o desespero, a angústia, a preocupação, a vontade, a dificuldade, o sucesso, a indecisão e a certeza, o pressentimento e a vaidade, a ansiedade e o interesse, a raiva e a alegria, a decepção, a culpa, a desculpa, o beijo…

Num dado momento, porém, a menina depara com o amor. E o amor ela não consegue explicar. Quando não temos a explicação de algo que é extremamente real e verdadeiro, o que fazer? A perplexidade da criança que queria explicar tudo nos ensina a abrir mão dessa obsessão adultiva, e admitir os mistérios de viver.

*Fonte:  Revista Educação Uol – Gabriel Perissé é doutor em Filosofia da Educação (USP) e pesquisador do Núcleo Pensamento e Criatividade (NPC)