Caminhando Juntos

O dia 21 de março está marcado no calendário como uma data de luta pela inclusão das pessoas com síndrome de Down, e foi pensando em compartilhar vivências entre família e escola, que reunimos nesta reportagem duas histórias onde essa parceria tem se revelado como uma perspectiva real de que é possível caminhar juntos.

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Fotos: Claudia Lins e Luisa Gama

Davi de Oliveira Brito de 10 anos, é um menino sorridente e cheio de energia, com  gostos e preferências comuns a muitas crianças de sua idade. Nada feito um peixinho, joga futebol e adora mexer no computador. Ser uma criança com síndrome de Down nunca representou obtenção de tratamento diferenciado em casa, garante sua mãe, a advogada Olívia de Freitas Brito, que sempre esteve atenta às limitações do filho, porém procurando proporcionar uma educação com os mesmos desafios que os vivenciados por suas irmãs.

“A inclusão começa em casa”, diz Olívia, repetindo a frase que virou um lema para família de Davi. “A única certeza que tenho nessa caminhada, é de que não se pode desistir nunca. Cada dia é um novo dia, sei que meu filho tem um ritmo mais lento, mas respeito o tempo dele”.

Matriculado  no Espaço Educar, desde o início do ano letivo de 2015, Davi tem reagido bem a nova rotina. No 3º ano onde estuda, conquistou  a simpatia de colegas e educadores e tem se mostrado receptivo às tarefas e à escola, revela a mãe. Além dos conteúdos vistos em sala, frequenta as oficinas pedagógicas oferecidas pela escola, onde trabalha atividades de coordenação motora, grafismos de letras e a estimulação da fala. E fora da escola, possui acompanhamento multidisciplinar como uma fonoaudióloga e uma terapeuta ocupacional.

Responsável pelo acompanhamento pedagógico individualizado que o Davi recebe no Núcleo de Oficinas Espaço Educar, a psicopedagoga Walquíria Santos explica que todas as atividades planejadas para  Davi, assim como acontece com as outras crianças  com necessidades educacionais especiais que estudam na escola, são adaptadas ao nível de desenvolvimento cognitivo de cada aluno. “Levamos em consideração as necessidades pessoais dele, mas sempre em sintonia com os conteúdos que estão sendo apresentados para todos em sua turma. Desde que ingressam na escola, esses alunos passam por uma avaliação diagnóstica, que se renova continuamente, a depender da evolução gradativa do desempenho cognitivo de cada um”, diz a psicopedagoga.

Davi, de 10 anos, participa de aula na oficina pedagógica Espaço Educar
Davi, de 10 anos, participa de aula na oficina pedagógica Espaço Educar

Acompanhamento e inclusão

Os alunos com síndrome de Down costumam se socializar com maior rapidez que as outras crianças acompanhadas pelo Núcleo de Oficinas Pedagógicas. “Eles são mais receptivos, afetuosos e reagem positivamente as trocas com os profissionais que os acompanham. São mais autônomos e sociáveis, mas em muitos casos necessitarão desse acompanhamento individualizado ao longo de sua vida escolar, por isso, quanto mais cedo forem estimulados e tratados em igualdade com as outras crianças, melhor será seu desenvolvimento e sua inclusão ao ambiente escolar”, reflete Walquíria.

Há aproximadamente cinco anos, o Espaço Educar vem recebendo com maior frequência, crianças com síndrome de Down, e tem procurado preparar sua equipe no sentido de melhor acolher esses alunos. Envolver professores, promover formações continuadas, adequar espaços físicos e material didático às necessidades de cada criança, tem sido um desafio constante nessa trajetória de promover a inclusão escolar.

“Buscamos ser uma escola aberta para todos, pois compreendemos que o acolhimento de crianças com deficiências, dificuldades e necessidades educacionais especiais  em escolas regulares trata-se de uma questão essencial para construir uma sociedade acessível  e um mundo melhor”, diz Conceição França Azevedo, diretora pedagógica Espaço Educar.

Guilherme de 6 anos e a equipe do Núcleo de Educação Especial Espaço Educar
Guilherme de 6 anos e a equipe do Núcleo de Educação Especial Espaço Educar

Evite comparações

Se pudesse resumir em poucas palavras um conselho para jovens pais que estão lidando pela primeira vez com o desafio de educar uma criança com síndrome de Down, a  engenheira Rafaela Albuquerque diria: “Evitem comparar seu filho com outras crianças, não criem tantas expectativas, e aprendam a prestar atenção e valorizar as pequenas conquistas, todos os dias”.

Mãe de Guilherme, um garotinho de 6 anos, diagnosticado com síndrome de Down, quando tinha um mês e 10 dias de vida, Rafaela acredita ter aprendido com o filho a exercitar a perseverança e a paciência, todos os dias.  Seu filho é aluno do 1º ano Espaço Educar, escola onde estuda desde o Jardim I. Gui, como é carinhosamente chamado pelos colegas, também tem autismo, transtorno diagnosticado no início do ano passado.

Assim como a família de Davi, a de Guilherme mantém uma intensa rotina de acompanhamento multiprofissional para promover o seu desenvolvimento cognitivo. Desde os dois meses de vida, ele frequenta sessões com fonoaudióloga, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional. Só começou a andar depois dos dois anos de idade, após entrar para a escola. Aos quatro anos, veio estudar no Espaço Educar e, desde então, sua família tem percebido uma evolução significativa em seu desenvolvimento.

“A primeira coisa que tento evitar é comparar o desenvolvimento do meu filho com de outras crianças, pois sei que cada pessoa é um ser único. É claro que eu tenho planos e traço metas para ele, mas vivo um dia de cada vez. E sei que as professoras estão aqui para nos ajudar, mas não farão milagres, por isso tento me concentrar nas pequenas conquistas. Um olhar que ele me dá, o fato dele me abraçar, tudo isso pode parecer tão comum para as outras pessoas, mas é muito importante para mim poder sentir e dizer: hoje ele  me olhou”, conta Rafaela, que atribui a escola um papel fundamental na vida do filho.

O menino que chegou ao Espaço Educar há dois anos, já não é mais o mesmo, lembra a psicopedagoga Walquíria Santos. “Guilherme está mais autônomo e em algumas ações rotineiras do ambiente escolar reage com maior aceitação, consegue manter o contato visual, o que no início não conseguia, é um menino muito dócil e afetuoso”, exemplifica a responsável pelo Núcleo de Educação Especial.

Acolhimento e o carinho da turma

O carinho com que a turma acolhe a criança com necessidades educacionais especiais tem se revelado um ingrediente precioso na fórmula da inclusão. Segundo a psicopedagoga Walquíria Santos, essas crianças despertam nos colegas sentimentos afetivos e um desejo de proteção do outro, que contribuem positivamente para a boa convivência de todos. “Quando há essa receptividade espontânea por parte da turma, melhor e mais natural se dará o desenvolvimento dessa criança no ambiente escolar”.

Para Rafaela, a alegria de Guilherme ao vestir a farda todos os dias antes de ir para a escola traduz o acolhimento e a proteção que a família espera de uma instituição disposta a educar crianças.

“Nos sentimentos muito satisfeitos com o trabalho dessa escola, a dedicação da Wal nas oficinas, o jeito carinhoso com que os colegas o recebem todos os dias e, especialmente ao processo que foi iniciado ano passado com a professora Nair, que soube envolver toda turma e os pais das crianças nesse olhar mais cuidadoso com as dificuldades do meu filho, o que resultou numa inclusão  natural, sem  super proteção, apenas com a compreensão de conviver com as suas diferenças”, conta Rafaela.

A advogada Olívia Brito defende um olhar mais comprometido do Estado com a formação de educadores e a promoção das condições necessárias para que todas as escolas brasileiras possam realmente incluir as crianças com necessidades educacionais especiais. “É importante que as escolas brasileiras avancem na abordagem pedagógica, inovando nos métodos de aprendizagem para esses alunos, com observância sobre as particularidades da criança. É fundamental que as escolas se abram, sem receio, para aceitar idéias inovadoras de profissionais que se especializam em técnicas e abordagem pedagógicas voltadas para indivíduos especiais”.